Em geral no sistema de recomendações de adubação sempre se dá uma atenção muito maior dirigida aos macronutrientes e, de certa forma, se negligenciam os micronutrientes. Sempre dizem “nossos solos” são ricos em micronutrientes!
A determinação de micronutrientes em análises de solo é uma tentativa de se avaliar a disponibilidade destes na CTC, mas que devido aos sistemas de cargas e competição iônica no solo, sua determinação pode ser superestimada ou subestimada dependendo das condições de oxi-redução no sistema.
Assim, a avaliação dos micronutrientes é muito mais lógica quando realizado nas folhas. A análise foliar revela o real estado nutricional das plantas numa determinada fase fenológica. Isto é, a presença do elemento no solo não é garantia da presença do mesmo nas folhas.
A experiência na realização de analises foliares nos últimos 20 anos, aliada ao uso do DRIS (Sistema Integrado de Recomendação e Diagnósticos) nos têm dado indicações de quais elementos micronutrientes tem se revelado como mais problemáticos nas condições tropicais, de onde são oriundas as amostras de folhas para análise.
A Laborsolo realiza análises de amostras do país todo, com especial ênfase a região Sul. No entanto, temos um diagnóstico geral do que ocorre no país.
Assim, o objetivo desta série de artigos que serão apresentados nas edições vindouras da revista “Doutores da Terra” tem a finalidade de chamar a atenção dos leitores da importância dos micronutrientes, onde se encaixam na nutrição de planta e como devemos proceder para não negligenciá-los.
Das análises realizadas, nota-se que o Boro é o elemento que mais se mostra deficiente na maioria das amostras de folhas, seguido pelo cobre, depois o manganês, depois o ferro e por último o zinco.
Especial atenção será dada ao molibdênio, níquel, cloro e silício em números futuros.
Assim, como o Boro é o mais presente, começaremos com ele no intuito de chamar a atenção dos usuários de como proceder com este elemento.
“Boro”
O Boro é um elemento com propriedades intermediárias entre um “metal” e “não metal”. O tamanho dos íons é pequeno e pode assumir até três valências.
O ácido bórico é um ácido fraco em solução aquosa com pH <7,0 e ocorre no solo como ácido não dissociado. Em pH mais alto o ácido pode reagir com hidroxila da água formando borato tetra hídrico.
B(OH)3+2H2O ↔ B(OH)-4 + H3O+
Somente as duas espécies B(OH)3 e B(OH)-4 ocorrem em soluções aquosas no solo em concentrações molares menores que 25mM.
A absorção de B se correlaciona com o pH do solo e a concentração externa, mas a absorção pela planta é governada pela corrente transpiratória, embora o Boro também seja móvel no floema, podendo se redistribuir pela planta toda em concentrações altas.
De todos os nutrientes de plantas, o papel do Boro é o menos entendido e tem sido estudado a partir de experimentos com sua ausência, isto é, quando retirado da solução e o que ocorre quando este é novamente aplicado.
É uma surpresa esta falta de entendimento sobre suas funções, uma vez que, em concentrações molares, este é requerido em concentrações maiores que os outros micronutrientes, como em girassol, por exemplo, uma vez que na sua ausência ocorre uma série de mudanças metabólicas nas plantas.
O Boro não é constituinte de nenhuma enzima e também não há evidência que afete a atividade de qualquer enzima, embora haja dúvidas sobre seu papel sobre a atividade da enzima RNA polimerase.
Há uma longa lista de efeitos do Boro:
- transporte de açúcares.
- síntese da parede celular.
- lignificação.
- estrutura da parede celular.
- metabolismo de carboidratos.
- metabolismo do RNA.
- respiração.
- metabolismo do AIA (acido indol acético).
- metabolismo do fenol.
- estrutura das membranas.
Esta longa lista indica que o Boro esta envolvido em vários passos metabólicos nas plantas ou participa de “efeitos cascatas” como os fito hormônios.
As principais evidências são a respeito da formação de parede celular e integridade das membranas.
Complexos de Boro em estruturas orgânicas
O ácido bórico tem a capacidade de formar complexos com terminações “diol” e “polidiol”, particularmente “cis-diol” na formação das paredes celulares.
Compostos poli hidróxidos com configuração cis-diol são necessárias para a formação desses complexos nas paredes celulares, estes compostos compreendem um grande número de açúcares e seus derivados como alcoóis ácidos urônicos, em particular, manitol e ácido polimonurônico. Estes compostos fazem parte das cadeias de hemicelulose nas paredes celulares. Por outro lado, sacarose, glicose, frutose e galactose não tem configuração cis-diol e, portanto não fazem compostos estáveis com o Boro.
Alguns compostos fenólicos, como o ácido cafeico que é um composto importante na biossíntese da lignina em dicotiledôneas possuem as configurações cis-diol, portanto formando ligações com o Boro.
Portanto, em plantas superiores, pelo menos uma quantidade substancial do Boro esta complexado nas ligações cis-diol das paredes celulares. O alto teor de Boro nas dicotiledôneas em comparação com as gramíneas se deve ao alto grau na proporção de compostos cis-diol em suas paredes celulares, principalmente substâncias pécticas e poligalacturanas. Assim é possível encontrar de 3 a 5 mg de Boro por Kg de Matéria Seca em raízes de gramíneas como trigo e até 30 mg/Kg de M.S em girassol.
Elongação radicular e metabolismo de ácidos nucleicos
Uma das mais rápidas respostas à deficiência de Boro é a inibição do desenvolvimento radicular pela paralisação da elongação das células.
A deficiência de Boro provoca o aumento da atividade da enzima “AIA oxidase” responsável pela destruição do AIA nas células e que cai rapidamente se for administrado o Boro às plantas. Assim fica claro que o Boro é especialmente mais importante para a elongação celular do que para a divisão celular, pois esta ligado à presença de auxinas nas plantas.
Em suma, a falta do Boro faz decrescer o nível de AIA circulante pela planta o que acarreta os problemas de crescimento que são mantidos pelos níveis de AIA.
No entanto, quando em deficiência de Boro há uma nítida diminuição no conteúdo de DNA e RNA.
A inibição da síntese de DNA pode ser considerada um fator primário ou secundário do papel do Boro na sua deficiência.
No caso do RNA o que se tem é uma deficiência na sua síntese e um aumento na degradação do RNA devido ao aumento da atividade da enzima RNA ase (provoca a degradação do RNA), nos tecidos deficientes em Boro.
Síntese da parede celular
Em plantas deficientes em Boro a parede celular é dramaticamente alterada tanto a nível macroscópico quanto microscópico.
O diâmetro da parede e a proporção de material na parede em relação à matéria seca são muito maiores em células deficientes em Boro.
As paredes primárias de plantas deficientes em Boro não são lisas, mas muito rugosas devido a deposições irregulares de compostos e misturados a materiais das membranas. Há uma alta concentração de substâncias pécticas e alta incorporação de glicose β 1,3, o principal componente da calose que também se acumula em tubos crivados do floema em plantas deficientes em Boro, diminuindo o transporte no floema.
O Boro não somente se complexa fortemente com constituintes da parede celular como também é necessário para sua integridade estrutural formando pontos de ligações éster-carbono-boro. Estas ligações são fracas e, portanto, tem a função de se reformar durante a formação e elongação celular e produzir cargas negativas para interações iônicas, por exemplo, com Ca+.
Dessa forma, há interações entre Cálcio e Boro nas paredes celulares e reflete-se na alta interação entre estes dois elementos e na sua demanda para o crescimento ideal das paredes e, portanto das plantas. Por outro lado, as alterações nas ligações de Cálcio com a parede são afetadas em plantas com deficiência de Boro. No entanto, comparado com o Cálcio, a ligação do Boro nas paredes é muito mais fraca e, portanto os sítios de ligações entre Boro e Cálcio são diferentes, ou seja, não atuam exatamente nos mesmos pontos.
Assim, de todo Boro que compõe uma planta, de 96 a 99% se encontram associados à parede celular.
Metabolismo de fenóis, auxinas (AIA) e diferenciação de tecidos
A deficiência de Boro esta associada a uma grande gama de alterações morfológicas e diferenciação de tecidos, parecidos com os sintomas da presença de AIA ou auxinas.
A lignificação e a diferenciação do xilema são únicos em plantas vasculares, o que implica na demanda por Boro, uma vez que o xilema é feito da parede celular e em células mais velhas este é lignificado.
O Boro tem algum papel no metabolismo de AIA e na regulação do biossíntese de lignina, portanto na diferenciação do xilema. Ressalta-se pois, que o Boro é o elemento mais importante para a translocação apoplástica de todos os outros nutrientes, uma vez que estes tem que ser transportados pelo xilema para atingir as folhas.
No entanto, as relações entre a nutrição com Boro, níveis de auxinas, diferenciação e lignificação ainda não são bem claras.
Em plantas deficientes em Boro, os níveis de auxinas são bem altos e um aporte externo de auxina provoca nas raízes os mesmos efeitos da deficiência de Boro. Este fato leva a conclusão de que a deficiência de Boro aumenta o nível de auxina nas plantas, provocando os sintomas típicos do excesso de auxinas como epinastias e alongamentos celulares de forma irregular. Em relação aos mecanismos de ação dos reguladores hormonais, no entanto, parece que os sintomas da deficiência de Boro são aqueles que se parecem com deficiência de Cálcio, um indicativo de mudanças na membrana plasmática ou formação de parede celular.
Aparentemente o Boro também se relaciona ao metabolismo de fenóis. Certos compostos fenólicos não só inibem a elongação das raízes como também aumenta o crescimento radial das células, ou seja, as mudanças anatômicas se parecem com aquelas causadas pelas auxinas.
O acumulo de compostos fenólicos que ocorre em plantas deficientes em Boro, principalmente o ácido cafeico, pode provocar um aumento no efluxo de Potássio, o que é um indicativo de problemas com a integridade das membranas.
Assim, o acúmulo de fenóis é típico em plantas deficientes em Boro e pode estar relacionado ao papel do Boro nas ligações cis-diol nas paredes celulares.
A formação de complexos entre Boro e fenóis está envolvida na taxa de fenóis livres e na taxa de álcool fenóis que são precursores de lignina.
Assim, sob deficiência de Boro, há acumulo de fenóis livres e a síntese de polifenoloxidase é ativada ou aumentada, diminuindo a síntese de lignina.
Este processo todo ocorre mais frequentemente associado às paredes celulares.
O pior cenário é quando o acúmulo de fenóis livres e um aumento na atividade dos fenóis oxidases levam ao acumulo de substâncias intermediarias como os radicais livres, principalmente oxigênio superóxido (O2–), devido ao aumento da síntese de quinonas. Esses superóxidos são destruidores de membranas através da peroxidação de lipídeos presentes nas mesmas.
A alteração no metabolismo de fenóis em plantas com deficiência de Boro também se reflete nas mudanças dos conteúdos de flavonóis como leucocianidina, ligado a mecanismos de defesa a insetos sugadores. Em plantas com deficiência de boro, os danos provocados por insetos são muito maiores.
Função das membranas
Há muitas evidências da participação do Boro na integridade das membranas, principalmente na membrana plasmática. Há evidências de sua participação principalmente em reações que envolvem a gravidade, como o geotropismo positivo. Deve ainda influenciar movimentos násticos como abertura e fechamento de estômatos, pois influencia o deslocamento de potássio pelas membranas.
Há evidências também que o Boro é importante para a absorção de Fósforo, pois esta é muito lenta quando há falta de Boro nos meristemas das raízes. Resta ainda o fato de que a atividade da enzima ATPase na membrana é aumentada na presença de Boro, o que facilita a absorção de outros nutrientes, principalmente cátions.
Daí fica claro que esses efeitos do Boro sobre a absorção iônica e também de glicose são mediados direta ou indiretamente pela atividade da ATPase, principalmente a bomba de prótons H+, importante na exudação de prótons H+ para ativar a absorção de cátions. Há ainda o fato relacionado ao crescimento ácido, o Boro é importante para a exudação de H+ induzido por AIA para estimulação do crescimento celular.
Embora o Boro seja importante na atuação da H+ ATPase, dados aos efeitos relatados acima, acredita-se que seus efeitos sejam indiretos e estão mais relacionados à integridade das membranas, pois ele é responsável pelas ligações cis-diol das membranas tais como glicoproteínas e glicolipídeos e, portanto, atuando como um estabilizador e fator estrutural na integridade das membranas. Não é a toa que grande parte do Boro presente em plantas se encontre sempre associado às membranas. Dessa forma, há de se concluir que os principais papéis do Boro se conectam a síntese da parede celular, metabolismo de fenóis e integridade da membrana.
Mudanças na parede celular e integridade das membranas são considerados os fatores primários da deficiência de Boro levando a uma cascata de efeitos secundários no metabolismo. Deve-se atentar para o fato que mudanças na estrutura das membranas sinalizam ao citoplasma para aumentar a excreção de matérias como íons, aminoácidos e açúcares levando a desequilíbrios generalizados.
Germinação do pólen e tubo polínico
Como o Boro se relaciona à integridade da membrana e formação da parede celular, logicamente esta envolvido na formação e crescimento do tubo polínico.
Após a germinação, o tubo polínico cresce na sua ponta, para tanto, demanda alta deposição de parede demandando altas concentrações de Boro para a formação da parede celular. Dessa forma, o Boro não afeta a germinação do grão de pólen, mas sim o crescimento do tubo polínico.
Por exemplo: em milho, no mínimo, 3mg/Kg de MS em Boro é necessário para o crescimento do tubo polínico, no entanto, em uva é necessário cerca de 60mg/Kg de MS, denotando a diferença que há entre diferentes espécies na demanda pelo Boro.
Dessa forma, o principal fator pela alta demanda de Boro em sementes e grãos está associada ao crescimento do tubo polínico, muito mais do que para o crescimento geral da planta como um todo.
O Boro também parece ser responsável pelo aumento da fertilidade geral das plantas, uma vez que se relaciona com a viabilidade das anteras e viabilidade do grão de pólen. Existe ainda a relação da presença do Boro com quantidade e qualidade do néctar para a atração de insetos polinizadores.
Metabolismo de carboidratos e proteínas
O Boro tem a propriedade de facilitar o transporte de açúcares à longa distância nas plantas através da formação de complexo açúcar–B, no entanto este fato não se dá em relação à sacarose, que é o principal açúcar transportado nas plantas. Por outro lado, a deficiência de Boro pode aumentar a formação de calose nos tubos crivados do floema, o que interfere no transporte de açúcares, ai incluído a sacarose. Assim, o fato é secundário, de caráter físico e não bioquímico.
No caso de proteínas, não há evidência do papel do Boro no metabolismo de nitrogênio, por exemplo, a enzima nitrato redutase, bem como na quantidade de aminoácidos livres e proteínas.
Deficiência de Boro
A deficiência de Boro é uma desordem nutricional muito comum e bem espalhada em todo mundo, principalmente em regiões tropicais, pois sob alta pluviosidade nestas latitudes do planeta, o Boro é prontamente lixiviado como B(OH)3.
A disponibilidade de Boro decresce com o aumento do pH, principalmente em solos mais alcalinizados e com alto teor de argilas, provavelmente devido à formação de B(OH)4 e adsorção de ânions.
A disponibilidade também diminui muito em condições de seca, pela queda na difusão e fluxo de massa ou polimerização do ácido bórico.
Num mesmo solo, há diferenças entre espécies de plantas na aquisição do Boro, o que denota diferentes quantidades do elemento requerido para o crescimento.
Desta forma, o teor de 5 a 10mg/Kg M.S é o nível critico de deficiência em espécies gramíneas (ex. trigo), mas chega a 80 a 100 mg/Kg M.S em girassol, por exemplo:
Alta intensidade luminosa aumenta a sensibilidade à deficiência de Boro, pelo aumento da necessidade de Boro nos tecidos, devido ao alto acúmulo de compostos fenólicos. Plantas sujeitas a altas intensidades luminosas em regiões tropicais necessitam aplicações de Boro a fim de complexar estes componentes tóxicos.
A diferença das quantidades de Boro em gramíneas e espécies dicotiledôneas se deve a composição de sua parede celular.
Em gramíneas as paredes celulares contém pouco material péctico e, portanto, tem menos requerimento de Cálcio para estabilizar as paredes. Por outro lado, estes dois grupos de plantas também diferem no conteúdo de Silício, que é universalmente relacionado ao Cálcio e Boro. Estes três elementos se localizam nas paredes celulares. Não se sabe bem porque mas há uma larga correlação entre os conteúdos de Cálcio, Boro e Silício nos tecidos das plantas.
Os sintomas de deficiência normalmente aparecem no ápice dos caules e gemas terminais, as quais se tornam descoloridas e morrem. Queda de botões florais, flores e frutos em desenvolvimento também são sintomas típicos de deficiência, assim como, necrose nas laterais das folhas.
A deficiência induz a redução no pagamento de frutos, mesmo que a quantidade de grãos não diminua numa área com deficiência de Boro, as sementes produzidas, no entanto, terão baixa germinação e pegamento. Assim, apesar das sementes terem o mesmo peso final, as plantas oriundas daquelas cultivadas sob deficiência de Boro produzirão maior porcentagem de plântulas anormais.
A aplicação de Boro tanto no solo ou em aplicação foliar pode ser feita com sais, como borato de sódio, incluindo bórax ou tetraborato de sódio. Estes são também efetivos em aplicações foliares.
Por outro lado, as concentrações entre o que é bom e o que é tóxico são muito próximas e requer cuidados especiais nas doses de aplicação. Portanto, não se deve aplicar Boro sem a prévia análise dos tecidos para se verificar se há realmente necessidade do elemento.
Sintomas de deficiência em algumas espécies
Pode-se verificar que os sintomas sempre remetem a má formação da parede celular, provocando encarquilhamento das folhas.
Toxidez e tolerância
Há grandes diferenças entre espécies no que tange a toxidez de Boro. Por exemplo, as quantidades para a toxicidade crítica nas folhas em mg/Kg MS podem variar de 100 mg em milho, 400 mg em pepino, de 100 a 270 mg em trigo, 100 mg em feijão até 330 mg em feijão caupi.
A toxidez produz sintomas caracterizados por clorose marginal nas folhas maduras, levando até a necrose. No entanto, a toxidez embora produza sintomas aparentes, bastante severos, necessariamente não reduzem a produção. Por outro lado, o Boro pode ser lixiviado das folhas pelas chuvas. O principal mecanismo de detoxificação é a complexação com açúcares.
Fontes:
Horst Marschner. Mineral Nutrition of the Higher Plants. 2nd edition Academic Press.
Revista Brasileira de Ciência do Solo.