A Vinhaça é um resíduo líquido, da atividade canavieira, gerada como efluente da destilação do mosto para produção de etanol. Sua composição em média, caracteriza-se pela presença de 93% de Água e 7% de Sólidos, sendo este último, representado por 75% de Matéria Orgânica e 25% de Matéria Mineral (veja o Quadro 1).
QUADRO 1. COMPOSIÇÃO MÉDIA DOS VÁRIOS TIPOS DE VINHAÇA
Olhando pela ótica do quadro 1, a Vinhaça se enquadra como um material residual não esgotável, potencializando seu uso como insumo agrícola. Entretanto, se julgarmos o seu uso, considerando a análise de condução de salinidade que está em torno de CE = 5.390 µS. cm-1 e da análise da DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio, que fica entre 20.000 – 35.000 mg.L-1, fica evidente que o uso direto no solo, sem diagnóstico e sem monitoramento, concorre para caracterizar uma disposição no solo altamente poluidora, tanto de ordem orgânica, quanto inorgânica.
Do ponto de vista agronômico, o caráter inorgânico da vinhaça medido pela condutividade elétrica é mais evidente no curto prazo, pois, fica muito além da classe C4, classificada pela (ANA – Agência Nacional de águas) como muito alto para o risco de salinidade do solo (veja o Quadro 2).
QUADRO 2. CLASSIFICAÇÃO DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO AO RISCO DE SALINIDADE (ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS).
Ignorando esse fato, praticamente toda base de cálculo para se definir a dose de disposição da vinhaça no campo, é feita segundo o teor dos minerais contidos no resíduo, em especial o Potássio, o qual se apresenta, na totalidade, como solúvel.
Causa estranheza, um órgão ambiental como a CETESB-SP, homologar a Norma Técnica P4. 231/2005, que dispõe sobre os “critérios e procedimentos para a aplicação da Vinhaça no solo agrícola”, utilizar-se dos recursos agronômicos e não ambiental para, também, preservar o solo agrícola. De acordo com essa normativa, fica estabelecida a “dosagem máxima de vinhaça” a ser aplicada no tratamento de solos agrícolas em cultura de cana-de-açúcar, determinada pela equação:
Nessa equação, o fator 0,05 equivale à saturação em potássio (K+), de 5% em relação à Capacidade de Troca Catiônica – CTC do solo, ou seja, para uma CTC = 5 cmolc/dm3, então 5% K = 0,25 cmolc/dm3 e, para uma CTC = 10 cmolc/dm3, então 5% K = 0,5 cmolc/dm3 de solo (Veja o Quadro 3).
QUADRO 3. ESTIMATIVA DA QUANTIDADE DE POTÁSSIO – K+ NO SOLO, EM FUNÇÃO DO TEOR TROCÁVEL, CONSIDERANDO A PROFUDIDADE DE 0,80m (NORMA TÉCNICA CETESB P4. 231/2005).
*Estimativa da dosagem máxima de Vinhaça – solo c/ CTC = 5 cmolc/dm3.
*Estimativa da dosagem máxima de Vinhaça – solo c/ CTC = 10 cmolc/dm3.
Chama a atenção o fato da CETESB ser uma agência de regulação ambiental do Estado de São Paulo, cuja instituição de pesquisa Agronômica, o IAC – Instituto Agronômico de Campinas, expressa os resultados da análise de solo em mmolc/dm3 e na NT P4. 231/2005 a CTC é expressa em cmolc/dm3.
Haja confusão! Outro aspecto que salta aos olhos é a estimativa da força iônica do íon potássio – K+, expressa em termos de saturação do complexo de troca (5% KCTC), jamais adotado pelo IAC que utiliza o teor do elemento em solução.
CONSIDERAÇÕES AGRONÔMICAS
Desde o inicio de suas atividades, em 1988, a LABORSOLO adotou na interpretação da análise de solo, a quantificação da força iônica dos cátions na solução do solo (Ca%; Mg%; K%; Al%; H%), como forma da avaliação da fito disponibilidade de cada um. A empresa foi pioneira no Brasil, quando trouxe essa metodologia do Dr. Willian A. Albrecht, da Universidade do Missouri – USA que em 1928, foi quem destacou que o Cálcio era o “príncipe dos nutrientes” na fertilização dos solos para as culturas. Utilizando-se dos seus preceitos, para que haja uma ”fito disponibilidade” do potássio – K+ para as plantas, está estabelecido que a força iônica desse elemento, no solo, deve estar entre 3% – 5% da CTC pH7, sendo que, a grosso modo, o valor mínimo para CTC menores, e o valor máximo para CTC maiores. Isso tudo é válido quando focamos na nutrição, ou seja, o objetivo é se atingir esses índices de saturação dentro da profundidade efetiva do solo, que para cana-de-açúcar podemos considerar os primeiros 30cm de profundidade para os macronutrientes.
Considerando um solo, com uma CTC equivalente a 10 cmolc.dm3, e 5% KCTC, isso equivaleria a 0,195g de K/Kg de solo. Como temos uma zona de absorção de macronutrientes correspondente aos primeiros 30cm de profundidade, esse perfil deveria conter 585 Kg de K/ha. Portanto, isso representaria um suporte de 4 anos em potássio (K2O), para uma extração da cana-de-açúcar de 185 Kg K2O/ha. ano o que coincidiria com um ciclo de corte de 4 – 5 anos quando, então, deve acontecer a renovação do canavial.
Observado os cálculos do (quadro 3), segundo a NT – CETESB P4. 231/2005 evidencia-se claramente a permissividade de transferência da aplicação no “solo agrícola” para o mesmo local como “área de sacrifício”. Se utilizarmos a mesma base de cálculo do ponto de vista agronômico, teremos, pela norma técnica, uma hipótese para um solo com CTC = 5 cmolc.dm3 e outra para CTC = 10 cmolc.dm3.
O que se pode notar é que quando atingido a meta de 5% CTC em potássio na CTC, nos 0,80m de profundidade, teoricamente, teríamos um estoque equivalente a 5 anos para um solo de CTC = 5 cmolc.dm3 e de 10 anos para um solo de CTC – cmolc.dm3, respectivamente com dose equivalente a 773,6 m3/ha para o primeiro caso e de 1.547,1 m3/ha para o segundo (Veja o Quadro 4), utilizando-se de uma vinhaça a partir de mosto de caldo.
QUADRO 4. DOSE MÁXIMA DE VINHAÇA PARA SE ATINGIR 5% K NA CTC, NA PROFUNDIDADE ATÉ 0,80m (NORMA TÉCNCIA CETESB – P4 231/2005).
Portanto, nessas condições o solo deveria apresentar uma capacidade de infiltração uniforme, sem saturação , durante um dia de 10 horas, equivalente a 77,4 mm/h e 154,7 mm/h, respectivamente para um solo siltoso de CTC = 5 cmolc.dm3 e um solo argiloso de CTC = 10 cmolc.dm3 (Veja o Quadro 5).
QUADRO 5. CAPACIDADE DE INFILTRAÇÃO CRÍTICA – mm/h, DE ÁGUA NO SOLO, PARA SUPORTAR A DEMANDA DA APLICAÇÃO DE VINHAÇA, DURANTE 10 HORAS.
Como, na prática, a saturação é inevitável, as constantes do Quadro 6 mostram a gravidade do problema da aplicação de alto volume.
QUADRO 6. CONDUTIVIDADE DE ÁGUA NO PERFIL DE DIFERENTES TIPOS DE SOLO, EM CONDIÇÕES DE SATURAÇÃO.
Com 77,4 mm/h (solo siltoso = 13,2 mm/h de infiltração crítica), tem-se, aproximadamente, um tempo de 6 dias para concluir esse volume, já para o volume de 154,7mm/h (solo argiloso = 0,6 mm/h de infiltração crítica), ter-se-ia um tempo equivalente a 258 dias para infiltrar todo o volume aplicado.
Fica evidente a formação de um gradiente de concentração de potássio no perfil do solo, podendo causar, diretamente, danos ao crescimento & desenvolvimento da cana-de-açúcar, por excesso de salinidade, medida através da condutividade elétrica – CE, que para essa cultura, os danos apareceriam acima de CE20ºc > 1.700 µS/cm. Outra consequência desastrosa no curto prazo é a dispersão das argilas pelo excesso de potássio nas camadas superiores, reduzindo a aeração do solo, por compactação, cujo crescimento & desenvolvimento e absorção de nutrientes são totalmente dependentes da presença de O2 para respiração mitocondrial.
Pasmem! Apesar do aspecto agronômico de impacto na saturação de potássio no solo pela aplicação da vinhaça, nas instruções do “Plano de Aplicação de Vinhaça” P4. 231-CETESB/2005 aparece o fator 185, o qual representa: “Kg/ha de K2O extraído pela cana-de-açúcar por corte”, ou seja, é restituição anual somando-se ao excesso nutricional em potássio resultante da aplicação da vinhaça. Isso ultrapassa a razão do absurdo, pois, essa prática pode colocar em risco a disponibilidade do magnésio e do cálcio, colocando em risco a “saúde da cana-de-açúcar”, que pode passar a ser susceptível às doenças fúngicas, como as ferrugens.
Portanto a obrigatoriedade da apresentação do plano anual de aplicação da Vinhaça, exigido pela CETESB-SP, me parece mais um controle ambiental para garantir o uso irracional no solo, em detrimento do despejo nos cursos d’água. Dessa forma, a permissividade do excesso de potássio no solo, efetivamente, não leva em conta os aspectos nutricionais e agronômicos para se produzir a cultura da cana-de-açúcar.
Literatura Básica
1.ANA/INOVAGRI. Disponível online em httpr://capacitação.ana.gov.br/conhecerh/handle/ana 274.
2.GLORIA,N.A.da; SANTA ANA, AG. & BIAGI. Composição dos resíduos de usinas de açúcar e destilarias. Brasil Açucareiro, 8(6): 78-87, 1973.
3.GLORIA,N.A.da; SANTA ANA, AG. & MONTEIRO, H. Composição dos resíduos de açúcar e destilarias de álcool durante a safra canavieira. Brasil Açucareiro, 80(5): 38-44, 1972.