Em janeiro de 2014, um cliente da Laborsolo nos encaminhou um e-mail com o seguinte conteúdo:
Realizamos quatro análises de solo com a Laborsolo. Gostaria que me auxiliassem na interpretação, a fim de identificar se existe algum desequilíbrio nutricional no material analisado, para propormos uma solução de arranjo de preparo da área. A área revela um problema visual de limitação de crescimento do sistema radicular, confinando-se na camada superficial. Praticamente não se vê raiz pivotante, apenas as laterais. A área vem sendo explorada há vários anos, com lavouras de soja e milho. Nos últimos anos o problema se agravou. Foram encaminhadas 2 amostras (1 e 2) de talhões diferentes, coletadas na profundidade de 00 a 20 cm. Nossa intenção é poder detectar se havia alguma barreira química impedindo o desenvolvimento radicular. Se puder auxiliar nessa interpretação, ficaremos gratos.
A partir desse e-mail, fizemos um trabalho de diagnóstico e apresentação de soluções. Vejam a seguir como foi esse processo:
Dados e informações disponibilizadas
Informações recebidas do interessado confirmaram que os resultados das análises das tabelas 01, 02, 03 e 04 referem-se a amostras coletadas na profundidade de 0,20 m ou 20 cm.
Para uma discussão sobre a variabilidade espacial da fertilidade do solo, o leitor pode recorrer ao artigo “Cuidar bem do solo é o primeiro passo” publicado na Revista Doutores da Terra, edição 01 – OUT/NOV 2013.
Ressalta-se que, em áreas onde o solo não é mobilizado, como no plantio direto, a fertilidade do solo tende a ficar restrita à camada superficial (00-10 cm), em razão das aplicações de insumos ocorrerem em superfície e não haver incorporação, fazendo com que a camada de 10 a 20 cm apresente déficits nutricionais frequentes. Além disso, para se visarem produtividades estáveis e rentáveis, é imprescindível que a subsuperfície (20-40 cm) esteja em condições propícias ao bom desenvolvimento do sistema radicular.
Portanto, para se obter melhor “leitura” do ambiente de produção (00-40 cm), deve-se realizar uma amostragem estratificada do perfil, conforme recomendações enviadas por e-mail ao cliente.
Resposta ao contato – Cliente X Laborsolo
Em resposta, o cliente confirmou a realização das amostras conforme o recomendado, e enviou-nos o resultado. As amostras foram feitas de forma estratificada (00-10 cm, 10-20 cm e 20-40 cm), coletadas na entrelinha da cultura da soja, que já havia sido semeada e encontrava-se no estádio V4.
Mais uma vez ele ressaltou a necessidade de descobrir se havia algum desequilíbrio nutricional no solo analisado.
Resultados analíticos das amostras estratificadas de solo
ATRIBUTOS FÍSICOS DO SOLO – Textura e estado físico da fração argila
Conforme revelado pelos resultados das análises físicas (Tabela 10), o ambiente de produção avaliado (00-40 cm) apresenta dois horizontes de classes texturais distintas – uma camada superficial (00-20 cm) argilosa (Argila > 40%) e uma camada subsuperficial (20-40 cm) muito argilosa (Argila > 60%).
Esse maior acúmulo de argila no horizonte mais profundo pode provocar diferenças na velocidade de drenagem interna da água, principalmente se apresentar elevado grau de dispersão (%GD), que se constitui num importante fator de risco de compactação.
Os resultados da dispersão da argila em água (%GD) mostram uma redução com a profundidade e, pelos valores apresentados, o perfil encontra-se com baixo risco de compactação e provável permeabilidade do solo adequada à infiltração da água. O estado físico da fração argila deve ser monitorado, a fim de ser capaz de detectar reduções do grau de floculação em tempo hábil para se tomarem atitudes e adequar o manejo, uma vez que a floculação da fração argila é pré-requisito para sua agregação, que por sua vez é o que condiciona a estrutura do solo e permite que níveis adequados de porosidade, permeabilidade e condutividade hidráulica sejam obtidos. Ressalta-se que é antieconômico cultivar em um solo desestruturado. Por isso, muita atenção deve ser dada no sentido de preservar a bioestrutura do solo.
ATRIBUTOS QUÍMICOS DO SOLO – Elementos trocáveis e reação do solo
O índice de acidez do solo é alto, principalmente à medida que se aprofunda no perfil (Tabela 5). Em consequência dessa acidez, verifica-se que o alumínio (acidez trocável) tem altos índices de concentração, causando o impedimento do aprofundamento do sistema radicular (“compactação química”), conforme pode ser visto nas Figuras 1 e 2, e na Tabela 6. Nessas condições, o aproveitamento da capacidade do solo em armazenar cátions nutrientes está reduzido à metade, de acordo com os resultados da CTC-efetiva em relação à CTC-pH7, e somente a calagem restituiria os níveis da fertilidade do solo para o seu potencial. Em contrapartida, é justamente a presença do alumínio livre que está mantendo a fração argila floculada (Tabela 10), pois é um forte agente agregante. Assim, deve-se ter muito cuidado com o manejo de correção desse solo, pois a margem de erro é pequena. Isto porque a calagem precipitará o alumínio e o substituirá por cálcio na CTC, provocando uma intensa dispersão da fração argila. O produto e a dose têm que ser criteriosamente determinados, pois são os efeitos benéficos da calagem sobre a produção biológica (seja das culturas ou da microbiota do solo) que, num segundo momento, serão responsáveis por reflocular e reagregar o solo pela abundância de compostos orgânicos. Se esse manejo não for corretamente realizado, corre-se um grande risco de deterioração do ambiente de produção. E é sempre importante lembrar que recuperar danos à física do solo é muito mais dispendioso do que lidar com sua química.
Índices de saturação
Os resultados das análises do perfil do solo indicam elevada saturação por ácidos (H + Al) e baixa saturação por bases (V%), evidenciando uma desbalanço do complexo de troca. Dos três elementos essenciais nesse complexo, apenas o magnésio apresenta-se em níveis adequados nos horizontes 00-10 cm e 10-20 cm. O cálcio e o potássio estão insuficientes para uma adequada biodisponibilidade às plantas, conforme se verifica na Tabela 6.
No horizonte superficial (00-20 cm), portanto, a calagem é o tratamento mais indicado para corrigir os índices de cálcio, utilizando-se de calcário com baixo teor em MgO (máx. 2%). O efeito de correção da acidez do solo para valores de pH acima de 5,5 induzirá a precipitação do alumínio tóxico nesse horizonte. Já para o horizonte subsuperficial (20-40 cm), é indicada aplicação do gesso agrícola, a fim de neutralizar o alumínio tóxico, com a formação do sal Al2(SO4)3 (Sulfato de Alumínio) , eliminando o íon Al3+ da solução. Essa reação não provocará variação do pH, que permanecerá ácido, e que é exatamente o desejado para essa camada, a fim de proporcionar maior disponibilidade de micronutrientes metálicos (Cu2+; Fe2+; Mn3+; Zn2+) e favorecer o aparecimento de cargas positivas no complexo de troca, produzindo CTA (Capacidade de Troca de Ânions) e promovendo a adsorção e disponibilização de enxofre na forma de sulfato.
O potássio encontra-se em níveis abaixo do mínimo de 3% de saturação e por isso pode ser limitante nas próximas safras. Por ser um nutriente ao mesmo tempo de alto custo e elevado risco de perda por lixiviação, é preciso manejá-lo com cuidado. Existem, nesse caso, duas alternativas. Na primeira, o potássio seria aplicado junto com o calcário, para que não fique completamente em solução, na medida em que ocuparia algumas das cargas que o carbonato abrisse ao neutralizar hidrogênio. A segunda opção seria monitorar a planta assim que estiver com 3 ou 4 folhas completamente expandidas, através da diagnose foliar, e verificar o balanço de potássio. Caso se apresente como limitante, uma aplicação em cobertura resolveria rapidamente o problema, com elevado aproveitamento do fertilizante. Caso a limitação não ocorra, conseguir-se-ia, desta forma, economizar essa aplicação, uma vez que a própria planta estaria evidenciando que o solo a está nutrindo adequadamente. Para esta última opção, o laboratório deve dispor de DRIS (Sistema Integrado de Diagnose e Recomendação) para a cultura em questão. Em ambas as alternativas, o plantio seria realizado sem a inclusão de fertilizante potássico.
Capacidade tampão para ânions
De acordo com a análise granulométrica do perfil (Tabela 10), observa-se um aumento no teor de argila com a profundidade, variando de 54,32% na camada superficial (00-10 cm) a 60,32% na camada mais profunda (20-40 cm). Esses resultados estão de acordo com os valores da determinação do P-rem (Fósforo remanescente, Tabela 7), o qual apresenta, de forma inversamente proporcional, a capacidade tampão do solo para fósforo, ou seja, sua capacidade de aportar fósforo na solução à medida que é absorvido pelas raízes. Nota-se que essa capacidade aumenta com a profundidade, passando o P-rem de 20,18 mg/L (00-10 cm) para 13,10 mg/L (20-40 cm). O resultado do P-mehlich mostra o acúmulo de fósforo na camada mais superficial (00-10 cm) em detrimento das demais camadas. Isso é fruto da prática do plantio direto permanente, que dificulta a distribuição do P no perfil, provocando um confinamento do sistema radicular no horizonte superficial, como é mostrado nas fotos acima.
Considerando os níveis críticos de fósforo em cada camada, conforme Tabela 7, observa-se baixa disponibilidade, inclusive na camada superficial onde está concentrado. Portanto, existe alta probabilidade de resposta a uma adubação fosfatada.
Quanto ao enxofre, observa-se uma situação inversa a do fósforo. A lixiviação natural para as camadas subsuperficiais cria um gradiente de concentração no perfil, fazendo com que a maior disponibilidade de enxofre para as plantas esteja nas camadas mais profundas (20-40 cm), as quais as raízes não estão alcançando devido à alta concentração de alumínio. Entretanto, pelos resultados da análise, é provável que não seja verificada limitação por este elemento, uma vez que se encontra em teores elevados, mesmo em superfície (00-10 cm). Isto indica, ainda, que aplicações de produtos que contendo enxofre devem ser evitadas a fim de evitar excessos, com exceção ao gesso, que se faz necessário para complexar o alumínio.
Atributos químicos da solução do solo
Os resultados representam a situação química da solução do solo (solução livre), determinada na pasta de saturação com água destilada, conforme as Tabelas 8 e 9.Foi analisado apenas o horizonte superficial (00-20 cm), estratificado em duas camadas de 10 cm, para se obter uma leitura mais apurada das condições de salinização da solução do solo. A salinidade é avaliada de forma indireta, pela medida da Condutividade Elétrica (CE) da solução. Essa análise pode ser considerada uma verificação da qualidade do “soro” em que a raiz se desenvolve. É muito importante conhecer essa informação, pois interfere diretamente no estado nutricional das plantas. Os valores de CE revelam baixo conteúdo de sais na solução, indicando que, por ocasião da coleta das amostras, a solução estava em “jejum”, ou seja, não havia excesso de elementos minerais na solução, por exemplo por aporte recente de gesso agrícola, fertilizantes, íons provenientes da palhada, entre outros. Isto é a garantia de que as análises de rotina estão aptas a serem interpretadas e de que a pressão osmótica do ambiente radicular está sob controle.
Considerações Finais
O diagnóstico da fertilidade do solo, com se pôde notar, levou em conta apenas os macronutrientes Ca, Mg, K, P e S. Os demais nutrientes essenciais, como N, B, Cu, Fe, Mn, Zn e Mo são avaliados com mais efetividade nas diagnoses foliares. Em se tendo o DRIS à disposição, é possível avaliar o estado nutricional das plantas em qualquer época do crescimento vegetativo e identificar o elemento limitante em cada momento, podendo realizar intervenções de alto potencial de retorno.
Como análises de micronutrientes no solo possuem pouca correlação com sua biodisponibilidade às plantas, fazer o diagnóstico precoce através da análise de tecido, aliada à interpretação pelo DRIS, é uma forma altamente eficaz de manejo nutricional, podendo-se tomar a decisão de realizar suplementações foliares, quando algum elemento se mostrar limitante, ou economizar aplicações, caso os nutrientes estejam equilibrados.
Estas foram as considerações que fizemos ao nosso colega de Goiás. Esperamos que possamos relatar-lhes, em uma próxima edição, os resultados do manejo sugerido.